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Até quando a solidão é natural ao homem? |
Uma das temáticas mais complexas,
antiga e atual da história do homem e da filosofia é a solidão e suas várias
facetas. Quando não citada explicitamente é citada implicitamente junto a seu
oposto, a presença. Antagonismo? Dialética? Contradição? Não e sim, pois só
existe uma a partir da existência da outra e, quando uma surge, no âmbito das
relações, imediatamente a outra desaparece.
Nossa era é tida por alguns
sociólogos como a era do vazio, do hiperindividualismo, onde o isolamento e a
quase ausência de relações reais (isto é, não somente virtuais), é um fato já
aceito e cada vez mais integrante, principalmente quando falamos nas novas
gerações (aqui entendidas como Y e Z), tão parte que não mais percebida como
diferente, mas como normal.
Uma pergunta a ser feita é: “até
quando a solidão é natural ao homem?”. Maria Uriarte nos apresenta a ideia de
que o homem é um ser solitário, mesmo que acompanhado, em seu mais profundo
íntimo, o homem é um ser sozinho. Fundamentaria esta afirmação todo o movimento
individualista? Não o creio, pois apesar de o homem viver em seu íntimo uma
espécie de solidão onde, a sós consigo mesmo, divaga sobre a própria existência
e toma as decisões mais significativas, esta solidão não é vazia e o que nos
torna individualistas é o vazio, não a solidão.
Complexo? Deveras! Porém buscarei
elucidar brevemente, mas não completamente, este mistério ao qual chamo de solidão
acompanhada.
Primeiramente cabe uma breve distinção do que seja vazio e do que
seja solidão. Vazio está ligado à ausência, a não completude. Já solidão está
ligada mais a ideia de espera, de falta. Enquanto o primeiro remete mais àquilo
que nunca houvera o segundo nos conduz à algo que estava e se retirou. Aqui creio estar o ponto de
compreensão para nosso tempo e para a ideia de solidão acompanhada.
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Solidão está ligada a ideia de espera, de falta |
Nossa era,
enquanto era do vazio, apresenta o risco de não nos relacionarmos. Estamos nos
isolando cada vez mais cedo do mundo das relações reais, sejam elas presenciais
ou virtuais, o problema, ao meu ver, não está na tecnologia que nos aproxima e
põe em contato, mas na qualidade das relações que estabelecemos. Podemos estar
a milhas de distância e estabelecermos uma relação afetiva consistente ou de
mãos dadas em uma superficialidade relacional espantosa. Podemos olhar nos
olhos e não ver o outro, ouvir sua voz ao pé do ouvido e não escuta-lo, ou, na
compreensão de Emanuel Lévinas, diante do outro que me apela, porém sem
corresponder a este apelo, em uma relação sem alteridade. O fato é que, para
podermos ser solitários e resolvermos nossas questões individuais e mais
profundas necessitamos de uma interlocução com o mundo que nos cerca.
Precisamos estabelecer um diálogo com o que está, com quem está, a nossa volta
para podermos ter a liberdade de escolher a decisão a ser tomada em nosso vazio
preenchido.
Vazio, pois nos isolamos em um
mundo só nosso, preenchido pois levamos todos os que nos cercam e os implicamos
em nossas decisões tomadas. É bom que possamos estar a sós conosco mesmo, mas
só tem sentido quando o fazemos no ímpeto de nos lançarmos em relações reais. A
questão que resta se resume à decisão de que tipo de relações queremos
estabelecer e na radicalidade de nossa solidão acompanhada onde solucionamos
nossos conflitos mais íntimos e buscamos forças e motivações para dar sentido e
significado ao mundo que nos cerca. Sendo assim a solidão acompanha uma mola
propulsora e um ponto de retorno, ou melhor, um eterno retorno à nós mesmos e
um constante encontrar no outro.
Altemir Schwarz
Educador - Filosofia e Ensino Religioso